Jó
Porventura, não tem o homem guerra sobre a terra? E não são os seus dias como os dias do jornaleiro?
Como o cervo que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga,
assim me deram por herança meses de vaidade, e noites de trabalho me prepararam.
Deitando-me a dormir, então, digo: quando me levantarei? Mas comprida é a noite, e farto-me de me voltar na cama até à alva.
A minha carne se tem vestido de bichos e de torrões de pó; a minha pele está gretada e se fez abominável.
Os meus dias são mais velozes do que a lançadeira do tecelão e perecem sem esperança.
Lembra-te de que a minha vida é como o vento; os meus olhos não tornarão a ver o bem.
Os olhos dos que agora me veem não me verão mais; os teus olhos estarão sobre mim, mas não serei mais.
Tal como a nuvem se desfaz e passa, aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir.
Nunca mais tornará à sua casa, nem o seu lugar jamais o conhecerá.
Por isso, não reprimirei a minha boca; falarei na angústia do meu espírito; queixar-me-ei na amargura da minha alma.
Sou eu, porventura, o mar, ou a baleia, para que me ponhas uma guarda?
Dizendo eu: Consolar-me-á a minha cama, meu leito aliviará a minha ânsia!
Então, me espantas com sonhos e com visões me assombras;
pelo que a minha alma escolheria, antes, a estrangulação; e, antes, a morte do que estes meus ossos.
A minha vida abomino, pois não viverei para sempre; retira-te de mim, pois vaidade são os meus dias.
Que é o homem, para que tanto o estimes, e ponhas sobre ele o teu coração,
e cada manhã o visites, e cada momento o proves?
Até quando me não deixarás, nem me largarás, até que engula a minha saliva?
Se pequei, que te farei, ó Guarda dos homens? Por que fizeste de mim um alvo para ti, para que a mim mesmo me seja pesado?
E por que me não perdoas a minha transgressão, e não tiras a minha iniquidade? Pois agora me deitarei no pó, e de madrugada me buscarás, e não estarei lá.