Jó
A minha alma tem tédio de minha vida; darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma.
Direi a Deus: não me condenes; faze-me saber por que contendes comigo.
Parece-te bem que me oprimas, que rejeites o trabalho das tuas mãos e resplandeças sobre o conselho dos ímpios?
Tens tu, porventura, olhos de carne? Vês tu como vê o homem?
São os teus dias como os dias do homem? Ou são os teus anos como os anos de um homem,
para te informares da minha iniquidade e averiguares o meu pecado?
Bem sabes tu que eu não sou ímpio; todavia, ninguém há que me livre da tua mão.
As tuas mãos me fizeram e me entreteceram; e, todavia, me consomes.
Peço-te que te lembres de que, como barro, me formaste, e de que ao pó me farás tornar.
Porventura, não me vazaste como leite e como queijo me não coalhaste?
De pele e carne me vestiste e de ossos e nervos me entreteceste.
Vida e beneficência me concedeste; e o teu cuidado guardou o meu espírito.
Mas estas coisas as ocultaste no teu coração; bem sei eu que isto esteve contigo.
Se eu pecar, tu me observas; e da minha iniquidade não me escusarás.
Se for ímpio, ai de mim! E se for justo, não levantarei a cabeça; cheio estou de ignomínia e olho para a minha miséria.
Porque se me exalto, tu me caças como a um leão feroz, e de novo fazes maravilhas contra mim.
Tu renovas contra mim as tuas testemunhas e multiplicas contra mim a tua ira; reveses e combate estão comigo.
Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! Se, então, dera o espírito, e olhos nenhuns me vissem!
Então, fora como se nunca houvera sido; e desde o ventre seria levado à sepultura!
Porventura, não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me para que por um pouco eu tome alento;
antes que me vá, para nunca mais voltar, à terra da escuridão e da sombra da morte;
terra escuríssima, como a mesma escuridão, terra da sombra da morte e sem ordem alguma, e onde a luz é como a escuridão.